Martin Buber – sacramento e devoção como diálogo

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O filósofo existencialista judeu Martin Buber (1878-1965) é conhecido pelo seu trabalho sobre diálogo, com conceitos como o EU-TU e o EU-ISSO que aprofundam a nossa compreensão sobre como são as relações dos indivíduos com seu próximo e com o mundo que o cerca. Mas além do diálogo entre indivíduos e entre o eu e o mundo, Buber pensou a nossa relação com a ideia de Deus (o conceito de EU-TU ETERNO), e fez isso a partir da leitura crítica de sua religião – o judaísmo.

O hassidismo é um movimento que nasceu dessa critica à religião mosaica ortodoxa. O rabino Baal Shem Tóv, que fundou essa corrente no século XVIII,  defendia a ideia de que a essência do judaísmo não estava na observância das leis, mas na conexão espiritual com D’us através da mística judaica. O distante D’us pai/juiz dos judeus passava a ser mais próximo da subjetividade de cada um de seus filhos. Mas alguns dos críticos do judaísmo foram mais radicais ainda em suas análises.

Um deles é o filósofo racionalista Baruch Espinoza, também judeu e contemporâneo de Baal Shem Tóv, que abandonou sua religião por conceber um Deus imanente, que está em toda a natureza, e que portanto não seria externo ao homem. Espinoza não abraçou nenhuma outra religião depois de ser excomungado, mas se manteve agnóstico. Para Buber, tanto o hassidismo de Baal Shem Tóv (que o próprio Buber abraçaria no século XX), quanto a ruptura de Espinoza começavam naquele que foi o mais proeminente crítico do judaísmo ortodoxia da história – Jesus.

Para o historiador Saul Magid, da Universidade de Indiana (EUA), a separação entre o judaísmo e o cristianismo por um lado afastou da religião mosaica qualquer reflexão sobre as críticas que Jesus fez ao Sinédrio. Por outro, fez o cristianismo nascente fechar os olhos para a influência da origem judaica de Jesus em sua pregação. Magid nos lembra que até a forma como Paulo (judeu que se converteu na estrada de Damasco, depois de ficar cego com a visão de Jesus) organizou a religião cristã deriva de sua formação judaica, e da sua compreensão a respeito do peso das leis divinas para viver a experiência de redenção. O judeu Paulo passou a ser cristão. O judeu Jesus repensou o D’us do judaísmo.

Martin Buber, assim como Baal Shem Tóv antes dele, entendia que a religião do Sinai dava ênfase aos sacramentos (sinais externos de adesão à fé religiosa, observância das leis mosaicas), e pouca atenção à devoção (sentimento religioso). O hassidismo do século XVIII equilibrou essa divisão dando destaque à devoção (através dos mistérios da cabala), e Espinoza inverteu a balança, colocando Deus e a Natureza como uma unidade. Foi a leitura dialética de Buber sobre tudo isso, que produziu a ideia do EU-TU, entendendo que viver no mundo de forma autêntica, estabelecendo relações conscientes (e não relações que objetificam), enxergando o outro como um ser divino (assim com a si mesmo), esse é ao mesmo tempo o sacramento e a devoção. E por ser uma visão tão abrangente a tão profunda, ela serve para qualquer religião.

O problema das religiões institucionalizadas é a contradição. Você tem uma forma de fé que quer compreender a vontade divina, mas no momento em que você cria uma estrutura (uma organização) com a intenção de manter viva esta forma de fé, você compromete a possibilidade de se entregar a essa mesma fé. A proposta de Buber é centrada na experiência religiosa (sacramento e devoção) de cada indivíduo (existencialismo), e por isso não se apega à lei mosaica, às regras do misticismo, ou à organização institucional da fé judaica.

A linha onde Buber se equilibra é a do diálogo com um Deus ao mesmo tempo imanente (como o de Espinoza), e transcendente, que pode ser vivido com a lei, pela lei ou apesar da lei, a cada instante, nas pequenas coisas, com entrega e autenticidade. A convicção dele é que tanto a experiência de Deus enquanto natureza, como enquanto OUTRO, é alcançável para todos os seres humanos. Nesse sentido, o messianismo (um homem diferente dos outros homens, que aparece em um tempo diferente dos outros tempos) não tem sentido para Buber. Ser o messias é estar na condição de qualquer homem que vive o sacramento e a devoção na relação EU-TU ETERNO.

 

 

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3 respostas para Martin Buber – sacramento e devoção como diálogo

  1. litzaamorim disse:

    Adorei essa temática! Pf, continuem!

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