A natureza como oração – por Henry Thoreau

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O trancendentalismo foi um movimento filosófico norte-americano da primeira metade do século XIX capitaneado por Ralph Waldo Emerson, que influenciado pelo romantismo alemão e pelo hinduísmo (entre outros escritos ele leu o Bhagavad Gita), questionou a rigidez do puritanismo unitarista e propôs uma fé  individual e renovadora, além dos limites da revelação bíblica. As ideias sobre uma espiritualidade vivenciada de maneira natural e espontânea influenciaram práticas mais abertas como as da família das irmãs Fox (que foram essenciais para o que viria a ser o espiritismo desenvolvido por Kardec na França).

Junto com essa crítica à rigidez da experiência religiosa, vieram ideias como o abolicionismo e o direito de voto para as mulheres. Autoras como a poetisa Emily Dickinson e Louisa May Alcott (autora do clássico Little Woman) modernizaram a literatura norte-americana influenciadas pelo transcendentalismo. Fechando um primeiro ciclo, no início do século XX, na Índia, o Mahatma Gandhi usou o conceito de desobediência civil que havia sido criado por outro trancendentalista, discípulo de Emerson – Henry David Thoreau.

Abaixo segue a tradução de um artigo do ótimo site BrainPikings (escrito pela Maria Popova) que fala sobre espiritualidade e natureza em Walt Whitman (um dos maiores poetas norte-americanos de todos os tempos), Emerson e Thoreau.


Walt Whitman viu as árvores – “tão inocentes e inofensivas, mas tão selvagens” – como uma fonte de sabedoria sobre ser, em vez de parecer. “Quando aprendemos a ouvir as árvores”, exultou o pintor e escritor alemão Hermann Hesse em sua carta de amor aos nossos companheiros arbóreos, “a brevidade, a rapidez e a ansiedade infantil dos nossos pensamentos alcançam uma alegria incomparável”.

Duas gerações antes, outro poeta laureado da natureza e do espírito humano fez das árvores uma peça central de seu universo emocional. Para Henry David Thoreau (1817 – 1862), elas eram companheiras criativas e espirituais, provedoras de equilíbrio e essenciais. Seu amor por elas ganha vida no livro Thoreau e a Linguagem das Árvores (Thoreau and the Language of Trees, do escritor e fotógrafo Richard Higgins, sem tradução para o português) – uma seleção das grandes meditações transcendentalistas de poetas e filósofos sobre árvores, cujas fotografias em preto e branco complementam os escritos arbóreos de Thoreau.

Thoreau reverenciava as árvores como encantamentos vivos, orações sem palavras, bênçãos para a arte de ser. Em sua companhia, ele encontrou um contraponto às falsidades da sociedade. Quinze anos após seu mentor, Emerson, lamentar em seu próprio diário que “nas cidades… parece que perdemos toda substância, e nos tornamos superficiais em um mundo de superfícies”, Thoreau redobra sua insistência em definir o próprio sucesso e escreve em um diário de janeiro de 1857:

“Na rua e na sociedade sou quase invariavelmente apagado e sem valor, minha vida é inexprimivelmente mesquinha. Nenhum ouro ou respeitabilidade me redimiria minimamente – jantando com o Governador ou um membro do Congresso!! Mas sozinho nas florestas ou nos campos distantes, nas terras de sementes irrompidas sem proteção ou nos pastos percorridos por coelhos, mesmo em um dia nublado e, para a maioria, sem graça, como este, quando um aldeão pensaria em sua pousada, eu me volto para mim mesmo, e novamente sinto uma forte conexão, o frio e a solidão são meus amigos. Suponho que esse valor, no meu caso, seja equivalente ao que os outros encontram através da congregação e da oração. Me entrego à caminhada solitária na mata, assim como as pessoas que sentem saudades, voltam para casa … É como se eu sempre encontrasse naqueles lugares um imenso, sereno, imortal, infinitamente encorajador embora invisível companheiro, e caminhasse com ele.”

Quatro décadas depois, Whitman – que era dois anos mais novo que Thoreau, mas sobreviveu a ele – registraria um sentimento semelhante em seu próprio caderno: “Depois que você esgotar o que há nos negócios, política, convivência, amor e assim por diante descobre que nenhum deles finalmente satisfaz ou permanece – o que resta? A natureza persiste; põe para fora de seus segredos adormecidos, as afinidades de um homem ou mulher com o ar livre, as árvores, os campos, as mudanças das estações – o sol de dia e as estrelas do céu à noite ”.


Do pinheiro de Natal aos lírios  do campo que não trabalham nem fiam, do lago de Walden à árvore de Comenius, a natureza é, para nós humanos, fonte de inspiração, de equilíbrio, símbolo de nossa conexão com o planeta, com nossa ancestralidade, metáfora para o nosso crescimento. Hoje mais do que nunca é também nossa responsabilidade, nossa escolha entre um futuro sustentável e uma distopia tóxica. Está na hora de reconhecermos a companheira que nos acompanha e seguir seu exemplo. Persistamos!

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