Numa das suas páginas mais brilhantes, Kardec nos convida a olhar a vida do alto da montanha. Dependendo do ponto de vista em que nos colocamos, conseguimos ver as pequenezas desse mundo, sua efemeridade, sua desimportância. De fato, se estamos no alto e vemos a estrada lá embaixo, tudo parece pequeno e, mais, enxergamos onde a estrada vai dar, e vemos que as sinuosidades do caminho não impedem a chegada ao final da caminhada.
Pois bem, estamos num momento nacional e internacional em que nos sentimos muitas vezes extenuados, desesperançados, moral, física e espiritualmente sobrecarregados. Muito individualismo feroz, incentivado pelo modo de vida competitivo da sociedade de consumo nos causa inúmeras decepções pessoais. As relações fluidas são fonte de angústia e depressão para muitos.
O cenário político também nos ensombrece os horizontes. Pessoas conhecidas, amigas ou adversárias, familiares, confrades da mesma comunidade espiritual (em nosso caso, espíritas) manipuladas pela mídia e sem se darem conta, muitas vezes, de que estão usando discursos de ódio, apoiam potenciais ditadores ou líderes de evidente má fé, que defendem a violência e a violação dos direitos humanos fundamentais – esses mesmos que estão na Constituição brasileira e na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Isso nos dói.
A vida cotidiana, a luta insana pela sobrevivência da maioria da população humana, da maioria do povo brasileiro, numa sociedade com um tremendo fosso social em que meia dúzia de pessoas detém a maior parte da riqueza e a maioria tem de viver em regime de quase escravidão (ou às vezes mesmo em escravidão explícita) tudo isso também nos esgota, nos murcha por dentro e provoca adoecimento psíquico e físico.
Como achar saída? Como transcender?
Só mesmo a visão da montanha a que se referia Kardec. Só mesmo sabendo que por pior que o momento se nos apresente, tudo passa nesse mundo.
Lembro-me sempre de uma frase de Gandhi a respeito. Quando ele se sentia desesperado, lembrava-se que todos os tiranos morreram, que todos os grandes Impérios caíram…
A questão é conseguirmos manter a mente nesse diapasão do além do tempo, do alto da montanha. Parece que uma multidão de pensamentos e angústias teimam em habitar nossa mente e não conseguimos tantas vezes apaziguá-la. Para isso, a meditação, a prece ou aquilo que eu e uma amiga minha chamamos de kit sublimação (livros, músicas, filmes que nos elevem…) são instrumentos que nos ajudam a subir na montanha e olhar de cima.
Hoje, como algumas vezes tive a felicidade em minha vida, senti a presença magnífica, elevadíssima do Mestre Comenius e ele me ditou a mensagem abaixo. Enquanto ele se manifesta, consigo captar um pouco do que é estar nesse permanente estado de olhar acima – no caso dele, muito mais do que no alto da montanha, a sensação é de um olhar cósmico. A terra e suas excentricidades, suas bizarrices, suas trágicas violências mesmo, parecem brincadeiras de crianças birrentas, parecem machucados passageiros que um beijinho de mãe pode curar. A eternidade está aí. A morte não existe. A dor é um átimo. E quando entramos nessa sintonia, tudo parece estar certo, nada fora do lugar, por mais que nossa visão do fundo do vale aumente de forma dramática os cenários sombrios em que estamos.
Em seu livro O Labirinto do Mundo e o Paraíso do Coração – obra prima de espiritualidade, escrita em pleno século XVII, Comenius já nos indicava que o peregrino desse mundo labiríntico só pode achar a paz dentro de si, onde se encontra com Deus. Mas ele não deve e não pode permanecer estático com essa sensação de conforto supremo. Tem que voltar ao mundo e agir nele, para mudá-lo, mas sem se deixar contagiar pelas sombras que nele reinam.
Um dia, a paz que tivermos acendido dentro de nós será a paz que veremos reinar sobre a Terra.
Aqui a mensagem de hoje do mestre Comenius. Espero que o leitor possa senti-lo e entrar nessa sintonia de infinito e de eternidade!
Aos corações cansados
A trilha está cheia de espinhos, mas é a trilha certa.
O caminho é cansativo, mas levará ao alvo.
O alvo é distante, mas a eternidade é nossa garantia.
As forças são limitadas para cada trabalhador do bem, mas a fé move montanhas.
A sensação de solidão às vezes nos acomete em algum recanto da estrada, mas há mais peregrinos que seguem conosco, visíveis e invisíveis.
A ideia de impotência nos assalta de vez em quando, mas o poder de Deus é infinito e dele participamos, só a escala de tempo é mais ampla do que o minuto terrestre.
O mundo vive mergulhado num turbilhão de sombras, mas há luzes acesas e cada um de nós pode ser uma lamparina ou um pequeno sol no caminho de nossos irmãos.
Não desanimeis! Perseverai!
Acalmai vossas mentes, porque é tudo tão passageiro no mundo e só o amor se estende além e só o Bem brilha para sempre!
Comenius
Médium: Dora Incontri – 25/11/2017
Belíssimo texto, minha querida irmã! Realmente… só quando subimos a montanha é que podermos vislumbrar a vida com suas possibilidades e preciosidades… Fica muito mais complicado quando nos mantemos na estrada poeirenta, usando nossos óculos embaçados pela gordura da ansiedade! Beijos carinhosos!
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O texto da professora Dora e uma bencao! Obrigado pelo lenitivo! Aqui no rio grande do sul, a federacao espirita comercializa um livro sobre a vida de Anton Mesmer, sendo autor Paulo Henrique de Figueiredo. Esse autor faz referencia na bibliografia as obras da professora. Achei o fato interessante! Abraco. euler.
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Quando eu comecei a me entender por gente estávamos no final da década de 70 e início dos anos 80. Apesar de ainda estarmos no regime militar (lembro vagamente da transição de Geisel para Figueiredo), o clima era de esperança, de nuvens se afastando no horizonte. Até o momento eu tinha vivido isso, a esperança da melhoria, mesmo com todas as dificuldades na economia, corrupção, planos de governo malucos.
Pela primeira vez vejo o clima de um pré fascismo. Até pessoas próximas, pessoas boas, aderindo a discursos de fascistas e oportunistas, o que me faz entender bem essa sensação de esmagamento, de impotência. Só consigo pensar em uma saída quando considero o paradigma do espírito, não no sentido da faxina fluídica que alguns esperam com o planeta chupão, mas ao menos com o encarne de espíritos elevados aqui e ali que tragam luzes. Mas para que eles venham acho que ainda teremos que passar por mais um período de dificuldades criadas pela nossa ignorância e orgulho, como a alegoria de alguns filmes onde dois homens se socam até a exaustão e no fim riem, sem se lembrar por que a briga começou. Para que a gente entenda uma mensagem superior que vai tirar a Terra desse atoleiro de provas e expiações, será preciso que muitos ideais de felicidade, de moral, de consumo, ainda tão vivos caiam. Eu tenho esperança e em muitos momentos lembrei do exemplo do homem na montanha, mas a angústia e ver que esse momento parece ser inevitável. Não precisava, mas a humanidade vai ter que pôr o dedo na tomada pra entender que dá choque.
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Quando recebemos esse presente cheio de esperança, mesmo cabisbaixos e pensativos, conseguimos subir até a montanha.Mais uma vez, obrigada Dora Incontri.
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