Início da década de 1990, noite de uma quinta-feira. Laura, trabalhadora de um centro espírita, chega em casa, vinda da reunião pública doutrinária. Mal fecha a porta, o marido lhe diz que um vizinho deixara uma mensagem espírita para que ela lesse. Laura achou estranho. Tratava-se de alguém com quem ela tinha pouco convívio. Ela sabia que esse vizinho gostava de Espiritismo e fazia parte de um grupo que se reunia em ambiente doméstico. Nessas reuniões, ocorriam incorporações, psicografias, consultas etc. Não era propriamente um centro espírita, portanto. Era o que comumente chamamos de Espiritismo à moda da casa.
Ainda sem entender por que havia sido deixada uma psicografia para ela ler, Laura perguntou de quem era. Seria de algum parente ou amigo desencarnado? O marido respondeu: é do Chacrinha.
José Abelardo Barbosa de Medeiros (1917-1988), o Chacrinha, foi um conhecido radialista e animador de programas de auditório de enorme sucesso. Em seus programas, foram revelados grandes nomes da música brasileira. De jeito escrachado, comandava a massa, buzinava e dava abacaxis para calouros que cantassem mal, jogava bacalhau para a plateia etc.
Quando ouviu que a mensagem era (supostamente) do Chacrinha, Laura fez cara de espanto e começou a rir. Em primeiro porque não entendeu por que acharam que ela haveria de se interessar por uma mensagem do Velho Guerreiro. Em segundo porque imaginou o que estaria escrito nela. Será que ela encontraria coisas do tipo “Vai para o trono ou não vai?”, “Therezinha, uh, uh!”, “Quem não se comunica se trumbica.” e outros tantos bordões que ele criara e consagrara?
Não havia nada de mais na mensagem. Quem a ditou, disse que havia sido alguém muito irreverente e havia levado alegria a muitos lares. Basicamente era isso. Mas a penúltima frase se destacou. Chacrinha, ou quem a tenha escrito, dizia que estava num lugar muito bonito, onde era carinhosamente chamado de velho safado. E encerrava com a seguinte pergunta: Quem sou?
Allan Kardec, em O Livro dos Médiuns, segunda obra por ele codificada, diz, no capítulo sobre a identidade dos espíritos.
“A linguagem revela sempre a sua procedência, quer pelos pensamentos que exprime, quer pela forma, e, ainda mesmo que algum espírito queira iludir-nos sobre a sua pretensa superioridade, bastará conversemos algum tempo com ele para a apreciarmos.”
O autor da mensagem utiliza a palavra ‘safado’. As colônias de tratamento e aprendizado espiritual primam pelo equilíbrio. Como as palavras têm sua própria vibração, o termo ‘safado’ dificilmente contribuiria para a harmonia do local. Além disso, jamais seria utilizado por espíritos de certa elevação para tratar alguém carinhosamente. Por isso, acho pouco provável que o missivista estivesse numa colônia espiritual como Nosso Lar e similares. O mais provável é que se tratava de um espírito querendo se passar por outro e querendo falar de um local que não correspondia à realidade dele. Um grupo mediúnico calcado no estudo constante e criterioso das obras de Kardec notaria algo errado, ajudaria aquele espírito a se encontrar e encaminharia o caso dele da forma mais conveniente e cristã possível. A não ser que tenha sido mais um caso de animismo. Nesse caso, convém ao grupo estudar mais sobre mediunidade.
Kardec sempre! Isso vale para todos os casos que narrei e para todos nós.
Desculpem, mas não resisti à piada: Roda, roda, roda e avisa! Um minuto para ir pr’o umbral!
FIM
Episódio 2 – Chuveiradas e paredes
Episódio 4 – Mais aquém do que além
Essas narrativas fazem parte do livro ainda inédito – Sem Açúcar e com Kardec – de Marcelo Teixeira
ÓTIMO!!
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hahahaha Excelente!!!
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