Mediunidade e o intercâmbio com os Espíritos em tempos de SLAM

TExto 01 - Mediunica JOVENS

SLAM – onomatopeia da língua inglesa que representa uma batida forte, também usada para designar batalhas de poesia que combinam elementos de performance, escrita autoral, competição e participação do público.

Em fevereiro de 2022, iniciamos uma nova fase da reunião mediúnica de um grupo que existe há cerca de quinze anos e passou por muitas configurações. Esse texto fala sobre a interação mais recente desse coletivo, que vamos chamar de Grupo Mediúnico da Paulista, com um grupo espiritual de jovens, vítimas da violência das grandes cidades, que se estabeleceu, segundo o relato deles mesmos, nas imediações da Av. Paulista. Nosso grupo teve sua origem em algum momento de 2007, quando ex-alunos da Pós em Pedagogia Espírita da ABPE resolveram se juntar para a prática da mediunidade à luz da formação recém adquirida. Uma prática mediúnica livre das amarras institucionais das Federações, com seu emaranhado de estudos obrigatórios e supervisionados, modelos rígidos a serem seguidos e outras dificuldades para o trabalho mediúnico nos Centros.

Nosso ideal era que as reuniões ocorressem sem hierarquizações entre os dirigentes, médiuns e sustentação; os participantes tivessem atuação igualitária, atuando  espontaneamente em todas as etapas da reunião, com destaque para o momento de análise e validação das mensagens e das atividades ocorridas.

Pouco antes da pandemia de COVID-19, o grupo estava por embarcar numa nova fase, num novo lugar para as reuniões, contudo, como todo o resto, a partir de 2020, tudo parou. Então, por um pouco de intuição e de vontade de continuar com a atividade para além da proposta da ABPE, parte do Grupo manteve as reuniões semanais no formato familiar, sem qualquer pretensão além de tentar um trabalho que fosse válido para o lado de cá e o de lá.

Começávamos com leituras antirracistas, decoloniais, sobre o machismo e o patriarcado, o pensamento social versus o neoliberalismo e assim por diante. Os espíritos que se apresentavam estavam ligados com os temas, tanto os que vinham trazidos para um trabalho de conversa e acolhimento quanto os mentores e suas mensagens.

Entre fim de março e começo de abril daquele ano, entre os espíritos que se comunicaram, alguns jovens se expressaram. Um garoto veio conhecer o grupo. Tinha escutado sobre nós. Ao que parece seu grupo de espíritos se estabeleceu nas imediações da Av. Paulista. Queria saber se nós éramos de confiança, se o grupo que ele representava poderia fazer uma parceria conosco.

O local da reunião é bem no centro nervoso da maior cidade do Brasil, a Avenida Paulista. Palco das manifestações de grande porte que mexem com o país, tanto de direita quanto de esquerda, também é vitrine de todas as contradições políticas, sociais e econômicas que assolam o país. Nunca imaginamos que a localização da reunião pudesse ter reflexos no trabalho espiritual.

Que jovens eram esses? Um grupo espiritual formado por jovens que acolhiam outros jovens, geralmente vítimas da violência urbana, que vem com um grande combo que mistura pobreza, racismo, fome, e outras camadas de violência de todo tipo. O que eles queriam? Uma parceria para ajudar na dinâmica do grupo, no acolhimento dos casos mais difíceis dos quais eles não davam conta. Além disso, queriam, pelo trabalho mediúnico, dizer que estavam vivos e ainda com sonhos. Queriam mostrar a arte deles: música, pintura, poesia, bombs e toda a arte urbana que vemos pelas cidades, principalmente nas periferias. O que eles não queriam? “Palestrinha” vazia sobre o bem e o amor, isso eles estão ressignificando entre eles e nós ajudamos com nossas conversas pré-mediúnicas e pelo uso da música: rap, mbp, rock e heavy metal que colocamos antes das reuniões e, algumas vezes, durante as reuniões por solicitações deles.

Durante esse ano, registramos letras de músicas, desenhos, poesias e mensagens alegres e tristes, geralmente ligadas às experiências deles. Acompanhamos problemas internos do grupo, por exemplo, a convivência entre os meninos e as meninas e questões de orientação sexual e respeito à diversidade. E acompanhamos os mais tristes relatos das vidas desses jovens, que foram interrompidas das formas mais dramáticas. Nas palavras deles:” vidas vividas com um alvo nas costas”. Ouvimos os lamentos de saudade por suas mães e avós. As jovens mães preocupadas com o futuro dos filhos que deixaram.

As mensagens que deixamos aqui são de 09 de fevereiro de 2023, após cerca de um ano desse trabalho. O jovem que geralmente representa o grupo veio nos dizer que o clima nas ruas não está bom, está pesado e opressor. Pediu que continuássemos com eles e que, apesar de tudo, eles continuavam firmes no trabalho deles junto aos desencarnados.

Recebemos três mensagens. Duas em forma de rap, cantadas e ilustradas em vídeo na mente dos médiuns. A terceira, uma poesia. Elas estão transcritas ao final do texto.

Antes das mensagens, a experiência do Grupo com esse Grupo de Jovens é provocativa no sentido de se perceber que, na prática espírita, o intercâmbio entre o lá e cá, é muito diverso do que a literatura anterior nos trazia. Que as organizações do lado de lá não ocorrem no preto e branco e que na parte cinzenta, como nossa vida do lado de cá, o bem vai tomando lugar e espaço aos trancos e barrancos e que, de certa forma, todo mundo se liga de alguma forma nessa vida maior, que é a humanidade.

RAP 1:

O barulho dos carros foi diminuindo

A luz da lua brigando

Com a luz do poste

Para ver quem era mais forte

Acabei dormindo com um sorriso tonto

Acordei com aquela dor conhecida

O buraco que se abre

Na minha barriga-fome.

Manhã

O sol quente na minha cara lembrando

Que não tenho nenhum pão de novo

Bora achar estancar aquela ferida-fome

Depois de muito andar

Chega aquele pão muito murcho com café frio

A ansiedade de matar aquela fome

Engole tudo de uma vez

A sensação de uma bomba no vazio

É menos de alegria do que de dor

Mais um dia, mais uma luta

Mais uma lua brigando com as luzes da cidade

(Não foi assinada, mas era um garoto que vivia na rua nos arredores do Minhocão, na Zona Oeste de São Paulo – Médium C.M.M – 09/02/2023).

Rap 2:

Temos pressa, temos pressa

Queremos nossa festa

Não apenas o que resta

Desse mundo de vocês

Desse mundo burguês

Meu recado não é fácil

Não é mole, não é adocicado

Mas se alguém abre espaço

Vou falar, está falado

Para as irmãs da perifa

As irmãs da minha cor

Eu quero mais vida

Quero mais amor.

(Autora: Carla. Médium L.A. – 09/02/2023)

Poesia 1:

Venho dar o meu relato

De um gesto amargo,

Um peito destroçado.

Mais uma vez, mais uma vez

Um corpo negro aprisionado

As grades frias e eu

Sem você ao meu lado

Mulher sem um homem

Não é vida sem pecado.

Já não sou mais

Já não tenho meu corpo para te amar

E você à liberdade pode aspirar?

(Não assinada. Médium L.A – 09/02/2023)

As produções mediúnicas do nosso grupo em parceria com esses jovens estão no Instagram. Nos sigam por lá:

https://www.instagram.com/slam.mediunico/

Por aqui, no Blog da ABPE, vamos divulgar o andamento dos trabalhos e os desdobramentos de nossos aprendizados, abrindo caminho para discussões. Segundo mensagens, esse tipo de trabalho está sendo aberto em outras frentes, então logo teremos mais novidades de outros cantos.

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Uma resposta para Mediunidade e o intercâmbio com os Espíritos em tempos de SLAM

  1. esther maria serravalle de sa disse:

    Que coisa maravilhosa este trabalho. super feliz em saber que os nosso jovens estão dando uma nova otica nos trabalhos mediunicos. Acolhendo todas , todos e todes

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