Os piores inimigos – 4ª parte: a maledicência

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Dando prosseguimento à viagem pelos inimigos que despontam no caminho do apóstolo Pedro quando ele sai em jornada com Jesus (livro “Luz acima”), falemos sobre a maledicência, que vem à tona quando, numa hospedaria em que pararam para uma ligeira refeição, Pedro conversa com um homem chamado Zadias, que narra para ambos os acontecimentos políticos da época. O centro do bate-papo era a cidade de Roma. Pedro, ao ouvir o que Zadias contava, endereçou vários apontamentos ferinos à corte romana e seus filósofos, artistas e administradores. O imperador de então – Tibério – também foi alvo de severas críticas.

Quando a conversa (pelo visto, bem animada) chegou ao fim, Jesus perguntou a Pedro se ele já estivera em Roma. Como a resposta foi um sonoro ‘nunca’, o Cristo sorriu e comentou que a desenvoltura com que o discípulo falara sobre o imperador e a sociedade romana havia sido tão eloquente que parecia ser Pedro um profundo conhecedor dos bastidores políticos, administrativos e culturais da cidade. E arrematou: – Estejamos convictos de que a maledicência é algoz terrível.

Confesso que essa abordagem me abriu outra janela de observação acerca da maledicência, geralmente vista como falar mal de um vizinho, colega de trabalho, parente ou similar que volta e meia é alvo de nossas críticas pelo fato de a convivência ser próxima. O episódio em estudo, no entanto, fala sobre o hábito que temos de maldizer pessoas que não conhecemos e com quem não convivemos, bem como locais onde nunca estivemos. E também mostra que maldizer é também aceitar, sem pestanejar, comentários que chegam aos nossos ouvidos por meio de terceiros. Será que Zadias sabia do que estava falando? Quais eram de fato suas intenções? São nesses pontos que Jesus toca quando afirma que a maledicência costuma ser um terrível algoz. E por quê? Porque é terrível para quem profere a critica, para quem a ouve e nela acredita e a espalha e ainda mais terrível para quem é dela o alvo.

Tudo isso me fez lembrar o benefício da dúvida, questão que o professor e palestrante José Carlos Leal aborda no livro “Como aproveitar bem uma encarnação”. O autor fala sobre o hábito que temos de aceitar os fatos da forma como eles nos são apresentados e ponto final. Raramente nos preocupamos em checar se o que nos contaram é verídico. Simplesmente passamos a informação adiante. Remetendo à frase “A dúvida é o princípio do conhecimento”, do filósofo e matemático francês René Descartes (1596-1650), Leal ressalta: “Aprender é duvidar. Se ante a uma questão qualquer, eu nego ou afirmo, nada aprendi; mas é quando duvido que eu começo a aprender.”

Pedro simplesmente saiu acreditando no que Zadias contava e emitiu opiniões ácidas sobre locais e pessoas que ele sequer conhecia, algo muito comum até os dias de hoje. A prudência recomenda duvidarmos de tudo que nos contam e também de tudo que sabemos por meio dos veículos de comunicação. Sempre é bom checar por mais de uma fonte para termos certeza se a informação de fato procede. E se proceder, mas não for algo bom ou útil, evitemos passar adiante o que nada acrescentará a este mundo já tão conturbado.

As consequências de informações inverídicas que são divulgadas antes de os fatos serem apurados podem ser fatais. Em 1994, na capital paulista, tornou-se tristemente famoso o caso da Escola Base. Motivo: seus donos, o motorista do veículo escolar e os pais de um aluno foram injustamente acusados por duas mães de abusarem sexualmente das crianças. Sem provas, mas com a conduta precipitada das autoridades que investigavam o fato e a cobertura sensacionalista da imprensa, a história repercutiu a ponto de a escola ter de ser fechada e os acusados, duramente perseguidos e intimidados. Ao final, nada ficou provado, mas o estrago profissional, familiar e psicológico provocado nas vítimas já havia sido feito. Ao Estado e à imprensa, couberam indenizar as vítimas e virem a público se retratar. O caso se tornou referência obrigatória nos cursos de Direito e Jornalismo. Tudo porque a maledicência se fez ávida por plateia e audiência.

Atualmente, o país e o mundo se veem às voltas com as nefastas “fake news” – termo inglês que significa notícias falsas. Sites e comunidades virtuais se especializam em bombardear as pessoas com inverdades as mais descabidas e por vezes escabrosas. Objetivo: desestabilizar governos; gerar pânico, ódio e indignação entre os incautos; colocar as pessoas umas contra as outras; eleger para cargos públicos gente comprometida com pautas reacionárias e interesses escusos…

O site de notícias g1, em matéria publicada em 13 de abril de 2022, fala que cresceu muito o número de denúncias contra discursos de ódio nas redes sociais. Embora eu já tenha falado sobre cólera/ódio em capítulo anterior, julgo pertinente ressaltar – e lamentar – essa ‘indústria’ da maledicência que grassa pelo mundo com o objetivo de aviltar reputações alheias. A reportagem revela que, segundo a Safenet Brasil, associação dedicada a combater crimes virtuais e de violação de direitos humanos, discursos difamatórios envolvendo casos de homofobia, racismo, xenofobia, neonazismo, misoginia e apologia a crimes contra a vida tiveram, infelizmente, crescimento exponencial no País. E revela, ainda, que, em anos eleitorais, o campo para esse tipo de prática se torna mais fértil, já que há candidatos que se arvoram numa das formas mais vis de maldizer o próximo, principalmente se esse próximo for uma figura pública – as “fake news” –, que divulgam fatos inverídicos para ferir a reputação das pessoas simplesmente por elas pertencerem a outra etnia, religião, orientação sexual, ideologia política ou similar. Tristes tempos estes, em que há grupos especializados em maldizer o semelhante e fomentar toda sorte de intrigas, mentiras e informações desencontradas!

Por isso, como profitentes de uma doutrina que é ciência e filosofia antes de ser religião, temos de separar o joio do trigo, como bem preconiza Jesus. Investiguemos, reflitamos, duvidemos, consultemos jornais, revistas, sites e similares que primem pela divulgação imparcial e verdadeira dos fatos e submetamos tudo à luz da razão. Mesmo assim, nunca confiemos em apenas um veículo de informação. Muitos atuam defendendo interesses de gente nem um pouco interessada no progresso social e moral da humanidade, mas apenas em manter seus privilégios. É extremamente saudável consultarmos sempre mais de uma fonte. Dessa forma, podemos conhecer várias opiniões sobre o fato e tirarmos nossas próprias conclusões de forma segura. Isso se chama pôr em prática a ciência e a filosofia, algo que Allan Kardec, o conhecido organizador e divulgador da doutrina espírita, fazia muito bem e recomenda que também o façamos.

E por falar em Kardec, são muitas as advertências que ele faz à maledicência em suas obras.

Em a “Revista Espírita” de 1862, por exemplo, no capítulo referente às respostas sobre a questão dos anjos decaídos, há uma mensagem de um espírito denominado Paulo, que diz: “Praticais a caridade, vós que denegris o vosso irmão; que derramais sobre ele maledicência e calúnia; que em vez de lançar um véu sobre os seus defeitos sentis prazer em exibi-lo em público, para humilhá-lo?”

Notem que a transcrição é uma pergunta. Como nos arvoramos em dizer que praticamos a caridade com uma das mãos enquanto, com a outra, temos prazer em evidenciar os defeitos alheios, destruir reputações e espalhar inverdades sobre pessoas com quem sequer convivemos ou sobre locais e instituições cujos bastidores desconhecemos e nem fazemos ideia de como funcionam?

Oremos, vigiemos, reflitamos e tenhamos em mente, sempre, que dentro de nós tem de ser travada a batalha mais árdua.

Marcelo Teixeira

BIBLIOGRAFIA:

  1. BARROS, Gabriela de – Como o caso Escola Base enterrou socialmente os envolvidos. Disponível em https://canalcienciascriminais.com.br/caso-escola-base/
  2. g1 BA – Pesquisa aponta aumento das denúncias contra discursos de ódio na internet em anos eleitorais no Brasil; veja como denunciar. Disponível em: https://g1.globo.com/ba/bahia/eleicoes/2022/noticia/2022/04/13/pesquisa-aponta-aumento-das-denuncias-contra-discursos-de-odio-na-internet-em-anos-eleitorais-no-brasil-veja-como-denunciar.ghtml
  3. KARDEC, Allan – Revista Espírita, 1862. Disponível em: https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/896/revista-espirita-jornal-de-estudos-psicologicos-1862/5198/abril/respostas-a-questao-dos-anjos-decaidos
  4. LEAL, José Carlos – Como aproveitar bem uma encarnação, Associação Editora Espírita F. W. Lorenz, 1ª edição, 2005, Rio de Janeiro, RJ.
  5. XAVIER, Francisco Cândido – Luz acima, Federação Espírita Brasileira (FEB), 5ª edição, 1984, Brasília, DF.
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6 respostas para Os piores inimigos – 4ª parte: a maledicência

  1. Rômulo de Souza Moraes disse:

    Uma ótima reflexão e bem oportuna. Estamos vivendo um momento muito delicado no Brasil e no Mundo.

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  2. Parabéns! Brilhante texto. Deus a fortaleça e ilumine cada vez mais.

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  3. Maristela disse:

    Mais uma importante reflexão. Que saibamos vigiar e ter lucidez para mantermos nossa saúde mental em dia para que possamos sobreviver a tempos tão difíceis.

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  4. Edmundo Ribeiro Kroger disse:

    Excelente texto. Me sinto um peixe fora d’água pq os espíritas estão procedendo no geral, como os fanáticos evangélicos. Horrível. Nao aguentei e me afastei do Centro. Total decepção.

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  5. Beatriz da Costa Fernandes disse:

    O autor trabalha com propriedade e excelência a transição da maledicência verbal as fakes e seus efeitos funestos e devastadores nas relações sociais, assim como, devasta o conhecimento propagando inverdades e ignorância que deságuam em interações de ódio calçadas na pedra bruta da ignorância. Conhecer é um ato de coragem, requer reflexão. E auto crítica… isso é trabalhoso. Mais fácil maldizer!!!

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