Muitos de nós, espíritas, mergulhados nas perplexidades do século XXI, no turbilhão de mudanças no mundo e no Brasil, estamos carentes de espaços amistosos de troca, de diálogo construtivo e maduro, em que possamos ensaiar a visão espírita, de modo aberto e racional.

Não cabe nem o dogmatismo da letra, que nos fecha os horizontes; nem apreciamos o vazio da autoajuda, que não soluciona os profundos problemas da existência e as complexas questões sociais. Nem conservadorismo, nem alienação.

Por outro lado, para se colocar o espiritismo em pauta no mundo atual, em diálogo com as ideias contemporâneas e para iluminar os graves conflitos que enfrentamos em todas as áreas, há que se ter consistência, maturidade, racionalidade e sobretudo, avançar além de Kardec, sem trair Kardec. Há que se guardar fidelidade à sua verve progressista, à sua cientificidade, à sua filosofia aberta (como ele dizia, sem os prejuízos do espírito de sistema), e também à sua visão humanista de educador, que trabalhou para mudar a França de sua época, através da proposta pedagógica transformadora, que herdara de seu mestre Pestalozzi. Há que se evocar Léon Denis, Herculano Pires, Deolindo Amorim, Eurípedes Barsanulfo e Anália Franco, como pensadores e militantes por um mundo melhor, que dedicaram obras escritas e obras práticas ao desenvolvimento de um pensamento e de uma ação espíritas de vanguarda.

Há 12 anos, a Associação Brasileira de Pedagogia Espírita vem se dedicando a manter vivo esse espírito pedagógico, filosófico e científico de Kardec e de seus mais lúcidos sucessores, através de um trabalho intenso de cursos, publicações, eventos, congressos, seminários, assessorias a projetos diversos. Tem trabalhado pela inclusão da espiritualidade na elaboração de um novo paradigma do conhecimento e  de uma nova prática da educação, mas sem os prejuízos do confessionalismo e do sectarismo, buscando diálogos e pontes com outras visões de mundo. De dois anos para cá, a ABPE tem sido a mantenedora de um projeto ousado de educação livre e alternativa, a Universidade Livre Pampédia.

Agora, estamos abrindo, através desse blog, que estreia junto com o novo site da ABPE, um espaço de reflexão espírita, aberta, crítica, de vanguarda, para dar alento aos que não querem que o Espiritismo seja apenas mais uma religião no estilo tradicional, com dogmatismos, hierarquias e devaneios mediúnicos. Cabe-nos nesse momento histórico do planeta, oferecer à sociedade, alternativas e caminhos que incluam a transcendência com criticidade; a educação e a atuação social com vistas à emancipação do ser humano. O espiritismo tem fundamentos para mostrar caminhos de transformação e esperança para todos nós. Basta seguir o conselho de Herculano Pires aos espíritas, em seu poema Cântico de Libertação:

Ouve, ouve ao longe, sacudindo continentes e oceanos,
o soluço do mundo
ouve o coro
não de anjos celestes nimbados de luz,
mas dos anjos terrenos famintos e sujos
fenecendo como flores na lama!
Ouve o clamor dos povos esgotados,
ouve o urro dos irmãos convertidos em chacais
e atira-te a construir sobre o sangue e as lágrimas
certo
sereno
firme seguro
confiante
como o ferreiro que conhece o poder do martelo,
o ritmo da forja.

Caminha para frente!
não mais o crucifixo, a morte, o luto, o desespero,
a câmara fúnebre,
não mais a paixão e as trevas, a lança e os cravos,
mas a ressurreição,
a vida,
o espírito,
a alvorada fremindo em teus olhos
como um pássaro na vertigem do voo,
para que a terra se eleve
estrela e sol
grito e clarão
sonho e aroma
flor e fruto
relâmpago e trovão
na escala dos mundos.

Essa a tua missão,
oleiro esquecido no barro da terra.
Esse o teu dever.

Ergue o planeta nas mãos
vaso modelado por ti mesmo
amassado em teu sangue e em tuas lágrimas.
Ergue-o nos dedos
ardente e sonoro
como um cântaro fresco.