A Zona de Interesse está entre nós, agora

Após algum tempo do trabalho mediúnico que chamamos de Grupo da Paulista, há muito material a ser analisado, abarcando uma série de assuntos caros àqueles que buscam por meio da visão espírita uma mudança e avanço, de fato, no mundo em que vivemos. Lembrando que nosso grupo tem trabalhado na comunicação com jovens desencarnados e ligados às áreas de vulnerabilidade e de exclusão social, principalmente da cidade de São Paulo.

Nesse sentido de olhar o que esses jovens nos colocam para discussão, e  também a partir do filme Zona de Interesse (Inglaterra, 2023), traçam-se aqui algumas reflexões sobre a realidade em que vivemos hoje suas relações com a triste história do Holocausto.

O filme Zona de Interesse narra um história que está intimamente ligada ao Holocausto. Ao longo do filme, em segundo plano, a máquina da morte está a todo vapor, mas a câmera filma languidamente uma família a andar pelo seu quintal florido, seus momentos de lazer à beira da piscina e do desfrute da vida confortável na casa com serviços de prisioneiros judeus.

É um filme sobre o Holocausto? Sim e não. Talvez seja bom falarmos que é sobre nós, hoje. O nome não é por acaso: quais são as nossas Zonas de Interesse? Hoje ao sair de casa e andar duas quadras até o metrô passo por, pelo menos, duas famílias sem teto mendigando. Se andar mais um pouco encontrarei várias barracas que se amontoam ao lado do Parque Trianon, ali mais famílias vivendo miseravelmente. Apesar de me condoer com a situação, passo e consigo deixá-los em segundo plano. Sigo em frente.

Tenho ciência que existe uma política pública que exacerba a violência do Estado contra os marginalizados na periferia, quase todos pretos e pobres. São mortos, desaparecem e são humilhados dia após dia. Quantas crianças foram  mortas por balas perdidas no último ano em operações que não levam a nada nas comunidades? Essas comunidades continuam como sempre foram, antes e depois das operações policiais, pelo menos para nós que estamos fora dessas áreas. Para quem está lá  dentro resta o medo, a injustiça, a humilhação e a experiência de vidas quebradas para sempre. Comove-me? Certamente, porém consigo deixar tudo isso em segundo plano. Sigo em frente.

Esse seguir tem alguma relação com o filme? O que está rolando em segundo plano enquanto posso ir ao shopping e tomar um café sob o frescor proporcionado pelo ar-condicionado trabalhando pleno?

Em relação ao nosso trabalho mediúnico, há força em cada psicografia e psicofonia que dá conta do sofrimento, inconformismo e esperança de um mundo melhor. Apesar de tudo, os espíritos que falam conosco não querem vingança, embora a ferida da injustiça e da violência ainda esteja aberta.  Percebe-se  que o trabalho entre eles é de ressignificação, não-violência e mudança para um mundo bem melhor para quando reencarnarem. Dessa forma, o que nos resta, como encarnados nesses encontros, é sentir cada pedrada lançada contra nossa Área de Interesse.

Já escutamos como é difícil “viver com um alvo nas costas”, como é difícil ter “família sem a perspectiva de oferecer nada aos filhos”, “como é duro deixar a mãe tão cedo”, as tantas reflexões das mães solo e de suas preocupações do que será dos filhos, e os lamentos dos pais que não seguraram a onda devido aos modelos de machismo vigente e, também, pela própria imaturidade das decisões que tomaram. Até mesmo recebemos dos espíritos o olhar duro às nossas elucubrações filosóficas sobre o que lhes acontece feitas “do apartamento confortável e de gente sentada nos próprios privilégios”.

Pois é, as coisas estão aí para serem vistas, o segundo plano não é uma abstração. Para saltar aos olhos só é preciso uma pequena alteração no ângulo de como enxergamos, ou queremos enxergar, as coisas.

Em termos espíritas, para quem quer de fato seguir essa visão de mundo, consideramos  que o mais importante é buscar ação aqui sobre esse planeta, e deixar de lado especulações individualistas e estéreis, por exemplo, sobre como ganhar bônus-hora, os cálculos do que se fazer para se ter direito a alguma colônia espiritual em Júpiter, exacerbar um processo de reforma íntima para pelo menos escapar do umbral, buscar uma posição legal na escala dos espíritos, etc, que, em síntese, nada mais são do que uma série de perspectivas estreitas sobre compensações e prêmios individuais por um suposto bom comportamento.

Óbvio que o retrato do filme é a potencialização do que há de pior no ser humano no que foi definido como a Zona de Interesse. O paralelo desse texto é dizer que no fundo, como diria meu filho mais novo e, provavelmente, os jovens da reunião: “ninguém tá puro”.

Alexandre Mota

Abaixo seguem algumas das poesias, alguns raps, e mensagens diretas recebidas em nossas reuniões.

TRAUMA – CARTA 

Para os meninos que estão me perguntando

O que fazer quando o trauma já está estabelecido

Lhes digo:

O que vocês já estão fazendo

Receber os manos e acolhê-los

É um passo gigante contra o trauma

Foi falado aqui sobre compaixão

Mas vocês querem saber como assim, ter compaixão e deixar de lado o julgamento?

É receber sem reservas,

Todo aquele curativo sem a frase:

Eu falei que ia dar ruim!

Comunidade

É a moeda justa vibrando no mesmo acorde.

Tamo junto rapaziada!

É chorar junto e pedir pelo outro antes de você

E no final das contas

Moçadinha

Humanidade

Sem essa parte é mais difícil

Lutar contra a selvageria

Lembrar que não é porque te tratam como bicho você é bicho meu irmão

É respirar em meio às lágrimas

É dizer: eu sou melhor que você, tá ligado?!

Acho que era esse o papo que eu tinha pra falar com vocês,

Valeu

Bota pra tocar Lux eterna

Texto de referência: Trauma – Paul Conti 08/12/22

Musica: Lux Aeterna –  Metallica.

Médium : CMM     

         

Mensagem 2  – Poesia

Venho dar o meu relato

De um gesto amargo,

Um peito destroçado.

Mais uma vez, mais uma vez

Um corpo negro aprisionado

As grades frias e eu

Sem você ao meu lado

Mulher sem um homem

Não é vida sem pecado.

Já não sou mais

Já não tenho meu corpo para te amar

E você à liberdade pode aspirar?

(Não assinada. Médium L.A – 09/02/2023.)

Poema

Eu tenho as mãos

Eu tenho o corpo

E todas as mãos passam sobre mim

Pobre destino, que desatino

No frio amamento o bebê sem alimento.

Você que me vê hoje: bela, negra, nua, musa, lua.

Me viu na rua?

Me viu na lona?

Não se decomponha,

Quem é rico não se envergonha!

Quem é pobre, sonha.

Porrada louca, noite medonha.

Empunho meu corpo como bandeira.

Que acorde e levante a nação brasileira.

Ass. Cristiane

Medium L.A (12/04/2023)

O silêncio pelo som mais forte que se pode ouvir na quebrada quando essa está vazia.

Vazia de esperança.

Vazia de amor.

Vazia de empatia.

Vazia de gente que acredita que vale a pena acordar mais um dia para batalhar e morrer ali na esquina.

Em oposição, ela fica cheia de sangue de gente que míngua

Voltar a encher de calor e sorriso e amor é a meta.

A meta de uma gente que enfrenta o sangue, a morte, e a esperança na raça com garra.

Tudo que nóis tem é nóis, disse o poeta preto da periferia;

E nóis não quer morrer matado, quer morrer de alegria , de sorrir, e de chorar, de se orgulhar.

Essa é a meta e nóis junto a gente chega lá.

Tenho fé.

Medium T.G.C (19/04/2023)

Os branco e os pretos

O sim e os nãos

A champanhe

E a comida fria

Dois lados da mesma moeda

Será?

A nossa, vale menos

Compra menos

Zona de interesse

Interesse na zona?

Fica a dica!

Médium : CM (10/04/2024)

As produções mediúnicas do nosso grupo em parceria com esses jovens estão no Instagram. Nos sigam por lá

https://www.instagram.com/slam.mediunico

Por aqui, no Blog da ABPE, continuaremos divulgando o andamento desse trabalho e seus desdobramentos. Segundo algumas mensagens que recebemos, esse tipo de trabalho está sendo aberto em outras frentes, então logo teremos mais novidades de outros cantos.

Para ver os textos anteriores desse projeto clique no link abaixo:

https://blogabpe.org/category/slam-mediunico/

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