Na última semana, chamou a atenção de todos nós o discurso do presidente Lula na Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global, em Paris, que contou com a presença de quase 100 chefes de Estado.  Em um discurso improvisado, o presidente do Brasil abordou o problema da desindustrialização dos países da periferia do capitalismo, o enfraquecimento dos mecanismos de governança global, a falta de solução da questão palestina e criticou a hegemonia das negociações internacionais em dólar. Talvez o aspecto mais simples e contundente de seu discurso, entretanto, tenha sido a lembrança de que as conquistas dos primeiros governos petistas de combate à pobreza, à miséria e à fome foram perdidas, e os retrocessos no Brasil foram enormes desde o golpe parlamentar sofrido pela ex-presidente Dilma Roussef. Nesse sentido, Lula chamou a atenção para o problema da desigualdade, em todos os aspectos, que vem crescendo no mundo.

Para nós, educadores espíritas e progressistas, o tema do combate à pobreza e à miséria é o mais caro de todos. Temos há anos difundindo ideias para a formação de um movimento espírita mais crítico, menos alienado, mais politizado, mais  centrado na ajuda ao próximo, menos neurótico, menos culpado e mais aberto à vida em toda a sua plenitude e complexidade… Mas quando a estrutura social abate os sonhos e possibilidades dos jovens, o espaço e o estímulo para todo o tipo de dissociação, fanatismo, perversão, cinismo, apatia e fuga da realidade se alarga.

De todo modo, nas nossas reuniões mediúnicas, temos encontrado nas conversas com os “espíritos jovens” fortalecimento para nosso comprometimento com a justiça social. Somos compelidos e não queremos virar as costas para esses seres que tão delicada e corajosamente se abriram para compartilhar suas histórias conosco. E temos encontrado reforço para nossas convicções de que a espiritualidade é uma prática de coragem, de liberdade, de criatividade, de amor, leveza e até irreverência. Na última reunião, propomos como leitura inicial alguns trechos de autoria de bell hooks e Audre Lorde,  ouvimos a canção rap Pro que vier, de Irian,  e nos abrimos para as comunicações das meninas e mulheres pertencentes ao grupo que tem se comunicado conosco. Recebemos com emoção os poemas sobre as vicissitudes de ser mulher nas bases da estrutura social capitalista. 

O mais belo de tudo, conversávamos em uma reunião mediúnica desses dias, é virar de ponta cabeça as expectativas sobre o sentido do espiritismo. Ao contrário de suportar a “cidade dos homens” para ganhar um lugar no céu, acreditamos mais do que nunca em fazer da Terra um lugar onde todos os jovens, velhos e crianças possam curtir um sábado à noite em paz, assim como sonha uma das jovens poetas que se comunicou conosco,  como vocês podem ler em uma das próximas mensagens.

A mulher bonita

A mulher bonita

 É natural 

em suas tranças

Em seu suor

A mulher bonita 

É respeitada

E pode viver plenamente a infância

Longe de garras e crápulas

Ah! Deixe-me ser!

Deixe-me viver!

Como as jovens da classe média

Que curtem um sábado à noite

Nada mais a dizer!

Boa noite.

(Médium LA – 14/06/2023)

Vejo meu passado muito longínquo

Talvez ele não esteja tão  longe

mas minha mente muito quis apagar

Os cabelos descuidados,

As pernas miúdas de criança,

Tive dó de mim.

Hoje sonho ser como essas moças de TV,

Intelectuais do Brasil… E negras!

Somos muito fortes, mesmo, mesmo depois de tanto desprezo,

 nos levantamos

E persistimos

E cantamos

Agora posso dizer:

Axé!

E até os brancos entendem

a força da palavra Axé!

Se eu pudesse, enviava essa mensagem a todas as meninas miudinhas.

Não desistam!

O mundo lhes pertence por direito!

(Médium LA – 14/06/2023)

As meninas da quebrada

Fazem som com quase nada

Sem apoio

Sem ajuda

Dão seu jeito…

Vão cantando

 fazendo poesia

contando os perrengues do dia a dia

querem amar

querem trabalhar…

Parece utopia

Como falou

Logo mais

O cria

Trazido aí pela tia

Raianne

(Médium CMM – 14/06/2023)

Tem isso aí que vim falar

Só tem um jeito de ser mulher

Tem que ter corpão

Bocão

E não ter cérebro?

Não dá para entender que tem vários tipos de mulher

Tímida, atirada, fogosa

*, encrenqueira,

Feliz, triste,

Ser tudo ao mesmo tempo até

Por que não?

Só ser como quiser

Mulher

(Médium CMM – 14/06/2023)

Quero falar

Sobre amor

Escrever poesias rimadas

Cheia de suavidade

E lugares bonitos

Mas, minha realidade

É dura aqui no barraco

É corre

pra dá de comer para o menino

fruto de desilusão

e do abandono

do meu amor

que me iludiu

….

Dá pra vocês serem

Homens e pais?

Dá para ser homem e companheiro?

Dá pra ser filho presente?

Preciso de suavidade

Quero parceria

F.

(Médium CMM – 14/06/2023)

Eu quero mandar a letra

E é para vocês manos

 ficarem ligados

não queremos ser figurantes

na festa da vida

 queremos ser protagonistas, tá ligado?

Pagar pelos comes e bebes

Pelas roupas e tals

Cansamos de ficar na sombra

Querer mais é

Tomar decisão

Sem esperar

Ser escolhida para o baile

Tá ligado?!

G.

(Médium CMM – 14/06/2023)

A imagem que ilustra esse texto foi produzida por intermédio de uma médium do nosso grupo que, à distância e sem saber nada sobre o que estamos falando, se conecta mentalmente conosco enquanto acontece a reunião mediúnica. Abaixo as imagens produzidas:

As produções mediúnicas do nosso grupo em parceria com esses jovens estão no Instagram. Nos sigam por lá:

https://www.instagram.com/slam.mediunico/

Por aqui, no Blog da ABPE, continuaremos divulgando o andamento desse trabalho e seus desdobramentos. Segundo algumas mensagens que recebemos, esse tipo de trabalho está sendo aberto em outras frentes, então logo teremos mais novidades de outros cantos.

Para ver os textos anteriores desse projeto clique no link abaixo:

https://blogabpe.org/category/slam-mediunico/