Escrevo esse texto, ouvindo a melodia suave da trilha sonora de um filme que vi recentemente. O filme francês de 2016 tem o nome em português Amor Eterno, e é a partir daí que farei meus comentários.
O nome original é Éternité, ou seja eternidade. O filme estrelado pela consagrada atriz Audrey Tautou – de Amelié Poulin, foi dirigido pelo diretor vietnamita Tran Anh Hung, também conhecido pelo filme O Cheiro de Papaia Verde. A produção em nada pode ser comparada com o estilo hollywoodiano, o que já fala muito sobre o filme.
A história despretensiosa da protagonista que vive mais de cem anos deixa de ser relevante diante da escolha narrativa do diretor. A história dessa família vai escorrendo diante de nossos olhos, sem diálogos complexos, sem tramas do destino, sem vilões e heróis, mas apresentando um quadro diáfano sobre as emoções que fazem parte do universo estritamente humano.
Ao som de uma trilha sonora espetacular, basicamente executada em piano por grandes nomes da música internacional, como Maria João Pires, Glen Goud e outros, vamos testemunhando a história dessa mulher, embalados por Bethoven, Bach, Lizt, Debussy, entre árias e Lieders, inclusive com a presença de Maria Callas.
O leitor deve estar se perguntando, o que tudo isso tem a ver com espiritismo? Calma, chegarei lá!
Como já escrevi em textos anteriores nesse blog, faço parte do grupo de Mediunidade Pedagógica e nesse último ano temos nos debruçado sobre uma questão bastante intrigante em relação às conversas com espíritos nas sessões de “desobsessão” – prefiro optar por conversas com espíritos desencarnados lembrando dos componentes que constituem uma desobsessão, minimamente 50% de responsabilidade para os dois lados.
Pois bem, temos discutido questões ligadas à memória sensorial, que percebemos nos espíritos desencarnados que participam das reuniões.
Os frequentadores dessas reuniões, sabem que, durante o diálogo, os “doutrinadores” recebem inspirações sobre como devem abordar os espíritos e percebemos que além dessas inspirações podemos apelar para os sentidos. Pedir para que o espírito lembre de uma cena, um cheiro, um som, têm demonstrado ser estratégia muito eficaz para sensibilizar através de lembranças vívidas.
Ao longo do filme vemos essa filha, mãe, avó, acolhendo os membros dessa grande família, sorrindo, chorando suas perdas, sempre com sua presença forte e constante que ao longo do tempo, muda do papel de protagonista e passa a ser observadora do desenrolar dos fatos. Essas imagens ao se sobreporem representam, a meu ver, a vida do espírito, o que fica, o que é de fato importa.
Apesar da história se desenrolar numa família burguesa, o que nos salta aos olhos não é o valor material das coisas, mas sim o valor das relações que vão se construindo ao longo do tempo.
É muito interessante lermos a entrevista do diretor que nos conta que não vivenciou esse tipo de família, nasceu em uma família muito pequena:
Em “Amor Eterno” faz um “retrato de família” baseado no livro de Alice Ferney. Porque decidiu abordar esta questão? Como surgiu a ideia?
Li o livro e gostei. Foi profundamente comovente, estava em lágrimas enquanto o lia. A história desta família muito grande tocou-me de uma maneira muito pessoal já que a minha própria família é muito pequena. Por causa da guerra do Vietna, só conheci os meus pais e o meu irmão mais novo. Nunca ouvi uma história sobre o meu pai quando ele era jovem contada pelos meus avós, por exemplo. Então, achei muito aliciante lidar com essa história da família de Alice Ferney.
Seguindo a ideia expressada pelo diretor que “o filme deve fazer retornar o espectador à sua própria experiência como uma filha, filho, mãe, pai, na relação pai-filho, no que é mais essencial, despojado de contingências psicológicas”, podemos intuir que as memórias familiares do autor remontam a outras vidas… quem sabe?
Existe um livro muito interessante – Tocar, o significado humano da pele (de Ashley Montague), que trata da importância do “tocar” em todos os aspectos do desenvolvimento humano. Segundo a autora, o tato é a origem de nossos olhos, ouvidos, nariz e boca. Foi o tato que, como o sentido, veio a diferenciar-se dos demais, fato este que parece estar constatado no antigo adágio que o define como a matriz de todos os sentidos.
Montagu nos alerta para a importância no desenvolvimento da crianças, em que é apresentada ao mundo pelo espaço tátil. No início as experiências são primordialmente táteis mas em sua evolução são gradualmente convertidas em percepções, ou seja, sensações dotadas de significado.
Fazendo um paralelo entre o diálogo com os espíritos e a importância do tato (e dos sentidos) na construção da nossa percepção do mundo, nossa pratica mediúnica tem nos mostrado que para ajudar o espírito a relembrar sua experiência como filha ou filho, mãe ou pai, os abraços, as risadas, o cheiro da comida, o calor da cozinha, o aconchego do olhar afetivo, disparam uma identificação forte com emoções há muito apagadas. É nessa Eternidade (como o nome original do filme), que podemos ver cunhadas as marcas de sentido que experimentamos em nossas várias vidas para compreendermos quem realmente somos.
Claudia Mota
Ideia bastante curiosa. Escapa um pouco da noção de “doutrinação”, que pressupõe introjetar uma “doutrina”, para operar com a memória e experiência do espírito. Vejo o texto mais como uma sugestão, gostaria de ver desenvolvido a abordagem proposta. Tenho pensado que, na vivencia espiritual, o ponto decisivo é o que se sente e, por vezes, não se sente uma coisa só.
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Ha muito não se usa doutrinação, e sim esclarecimento, justamente para não impor doutrina e respeitar a condição de individualidade do outro, o que se segue no texto e usado em reuniões mediúnicas ha muito tempo, e não e sugestão o texto e realidade.
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