No Brasil, o país mais espírita do mundo, Kardec é normalmente chamado de o “codificador” do Espiritismo. Entretanto, esse termo não aparece em nenhuma obra de Kardec, só se observando o seu uso entre nós. Até agora, não se descobriu quem e por que puseram esse cognome ao mestre de Lyon. Já andei consultando os escritos de Bezerra de Menezes no século XIX e não encontrei nenhuma vez uma referência a Kardec como codificador. Também em Léon Denis, não há tal termo. Denis o chama algumas vezes de o “grande iniciador”; Bezerra, em seus artigos no jornal O Paíz, com o pseudônimo de Max, analisa o seu papel de missionário.
No dicionário Houaiss, codificar significa: “reunir numa só obra textos, documentos, extratos oriundos de diversas fontes; coligir, compilar”. Vejamos, pois, se é pertinente essa qualificação a Kardec.
Ora, é exatamente essa a ideia que a maioria dos espíritas tem a respeito do trabalho de Kardec. Há muito tempo, já desde o meu livro Para entender Allan Kardec, venho apontado que o papel de Kardec no Espiritismo não foi apenas o de compilador, organizador de ideias prontas, vindas dos Espíritos. Essa visão, bem típica do movimento espírita brasileiro, reduz o Espiritismo a uma revelação acabada, sacralizada, e a função de Kardec a uma espécie de secretário dos Espíritos. Bem diferente é o que ele pensava sobre seu próprio trabalho. Diz ele em Obras Póstumas:
“Conduzi-me, pois, com os Espíritos, como houvera feito com homens. Para mim, eles foram, do menor ao maior, meios de me informar e não reveladores predestinados.”
E na Gênese:
“O homem concorre para a revelação com o seu raciocínio e o seu critério; desde que os Espíritos se limitam a pô-lo no caminho das deduções que ele pode tirar da observação dos fatos. Ora, as manifestações (…) são fatos que o homem estuda para lhes deduzir a lei, auxiliado nesse trabalho por Espíritos de todas as categorias, que, de tal modo, são mais colaboradores seus do que reveladores, no sentido usual do termo.”
Na verdade, Kardec foi um pesquisador, criador de um método genial que reúne a investigação científica dos fenômenos mediúnicos, com a articulação racional, filosófica e a revelação espiritual. Pela primeira vez na história da humanidade, a revelação é passada pelo crivo científico e a ciência se abeira da espiritualidade com métodos próprios de observação. Esse método de abordagem foi desenvolvido por Kardec e não pelos Espíritos.
No Brasil, justamente por termos perdido ou não compreendido suficientemente os critérios de racionalidade e pesquisa que Kardec criou para a análise dos fenômenos mediúnicos, ficamos apenas com a revelação, aceita cegamente. Por isso, o termo codificador combina melhor com essa nossa visão caseira do Espiritismo, como algo meramente revelado e não pesquisado e concebido pelo ser humano, em diálogo com os Espíritos.
Portanto, impõe-se resgatar Kardec como o grande pesquisador, pensador, fundador do Espiritismo – ainda muito desconhecido, desconsiderado e incompreendido, por não-espíritas e pelos próprios que se dizem seus seguidores.
Dora Incontri
Na Revista Espírita encontra-se outros espíritos o chamando de “mestre”, por exemplo. Nunca havia pensando num efeito prático de restringir Kardec quando se usa o termo codificador.
Concordo plenamente que ele foi muito mais do que “um organizador de ideias” que não contribuiu em nada de si mesmo. O que ele traz é sim vindo do ensinamento dos Espíritos, mas são suas palavras, sua análise e raciocínio em cima do que eles falaram.
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Muito bom o artigo e o esclarecimento, acredito que este termo tenha sido implementado pela ala religiosa do Espiritismo nascente em nosso país. Parbaéns!
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No meu entender como espírita, o termo codificador não esta se referindo ao seu legado a obra grandiosa,revivendo o Evangelho do Divino Mestre Jesus, o termo se refere sobre a maneira organizada colocando as mensagens em capítulos e separando em itens facilitando a leitura e a compreensão da obra, sua preocupação foi tão grande com os médiuns que o segundo livro foi o livro dos médiuns todo organizado facilitando o manuseio e o entendimento de todos os espíritas que trabalhão nessa área.
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Muito oportuno seu texto, querida Dora. Considerando que a Obra Espírita é coordenada por Jesus e que Kardec é dos seus mais preparados colaboradores, precisamos rever e estudar cada vez mais Kardec.
Outro ponto que me chama a atenção é o substantivo “Evolução “. Em nenhum lugar das Obras básicas ele é citado, e sim, o substantivo “Progresso”. Evolução foi acrescido depois, no Brasil, possivelmente por influência dos estudos de Darwin. Progresso traduz com plenitude o sentido dos ensinamentos do Espiritismo.
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Os Espíritos trouxeram as respostas, mas foi Kardec que formulou as perguntas. A estrutura lógico-racional foi estabelecida por meio das perguntas.
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SER CODIFICADOR não diminui em nada a grandeza dele e da obra dos espiritos ,…..+ o trabalho dele,………uma kestão semantica da forma , não invalida o ”fundo” mais importante,…..não estou seguro se isso é ou não uma discussão estéril.
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Brilhante ! Justo !
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Penso, que há um equivoco, por tudo que estudo sobre a doutrina espirita, dizermos que Allan Kardec foi o fundador do espiritismo como li no texto. O espiritismo é de cunho cristão, e Jesus, quando encarnado, em especialíssima missão, já nos dizia da necessidade de maior amplitude sobre nosso senso racional e deixa claro que viria o espiritismo. Portanto, independente de debates sobre nomenclaturas ou interpretações sobre o que dizia Allan Kardec em seus textos mais ” pessoais” e que pode sim, ser, tão uma interpretação nossa , pessoal, do que ele externou, o que vale é aplicar todos os ensinamentos que ele compilou, pesquisou, externou. Ademais se ele confirma por método cientifico aliado a pedagogia, não esqueçamos que ele como homem de saber cientifico e que traz a veracidade da imortalidade da alma, por certo, era assessorado por seu mentor espiritual Erasto. Então, ele escrevia da forma dele, altamente inspirado pelo espiritualidade superior. Todos somos, inclusive, inspirados. Apenas atentemo-nos para o que Jesus nos alertou: haverá muitos falso profetas.
Raciocino assim sobre esse texto.
De todo modo sempre grata aqueles que nos fazem refletir. Obrigada pelo oportunidade Dora Incontri
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Nunca tinha analisado por esse viés. Excelente
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