O Mestre carpinteiro e sua mensagem para nós

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A Galileia era uma região desprezada pelos próprios judeus, que por sua vez, era um povo dominado e espoliado pelo império romano (que hoje equivaleria ao Império americano),  era uma época em que não havia televisão, rádio, imprensa, internet, redes sociais – e que portanto, a comunicação era apenas oral, boca a boca, homem a homem, mulher a mulher…

Nesse contexto, nesse rincão esquecido, nasceu um homem, nasceu um profeta, nasceu um ser iluminado – que para muitos foi visto como a própria encarnação divina – que mudou o mundo e de quem estamos falando ainda, dois mil anos depois.

Esse homem escolheu doze companheiros, que eram marginalizados pela sociedade, pescadores, pessoas do povo, analfabetos – talvez um ou dois soubessem escrever, Mateus, de quem se suspeita que era cobrador de impostos (repudiado pelos judeus) e talvez Judas, que parecia ser um pouco mais intelectualizado. Mas chamou também mulheres para o seguirem, prostitutas como Maria Madalena, mulheres que viviam em família, como Marta e Maria, ricas como Joana de Cusa. Claro que a narrativa feita por homens nos Evangelhos não atribuiu a essas mulheres o título de discípulas e apóstolas. Mas a sua presença foi tão marcante, que não puderam esconder a sua importância e o quanto esse homem tratava de maneira igualitária e amorosa, mesmo as mulheres mais desprezadas e condenadas socialmente.

Só pelo menos vinte anos após a sua morte, foram escritos os primeiros textos sobre esse homem – as cartas de Paulo, a quem ele chamou para colaborar na expansão da sua mensagem, ele que era sim um homem letrado. Mas as cartas de Paulo não contavam sobre a sua vida, comentavam sobre sua mensagem. Apenas depois de mais 50 anos de sua morte, é que apareceram os primeiros escritos sobre o que fez e o que falou. Talvez um proto-evangelho de que não nos restou nenhuma cópia. As cópias que temos hoje dos Evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João são todas de mais de 150 da Era, que foi chamada cristã, justamente por causa desse homem que mudou a história.

Apesar de todas essas dificuldades e da probabilidade de que uma pessoa sem recursos, sem poder, sem cátedra, sem conhecidos nas altas esferas do judaísmo ou do império, uma pessoa que andava descalça, que dizia não ter uma pedra onde encostar a cabeça, uma pessoa que foi condenada como criminosa, torturada e morta entre ladrões, fosse esquecida pela história – essa pessoa é a que celebramos até hoje, quando chega o Natal.

E apesar de séculos de lutas entre as diversas facções que disseram segui-lo, apesar das dúvidas que hoje temos sobre fatos de sua vida e das escrituras (ver por exemplo, as ponderações de Bart Ehrman), apesar das instituições que, em seu nome, mataram, perseguiram e torturaram, como Ele próprio foi perseguido, torturado e morto, sua mensagem continua intacta, ainda como um modelo possível, desejável e vivo de ação no mundo.

Jesus, o carpinteiro, o galileu, o profeta morto, o homem que tratava as mulheres com dignidade, que acolhia as crianças com respeito e admiração, que estava ao lado dos mais marginalizados e oprimidos de sua época, que se compadecia dos doentes de corpo e de espírito e os curava, que era enérgico ao condenar apenas um tipo de gente, os hipócritas religiosos (o que há de mais comum até hoje nas religiões, incluindo entre aqueles que dizem segui-lo) – esse Jesus, esse mestre, nos inspira ainda hoje para uma proposta de vida radical de desprendimento, de amor, de perdão, de paz, com valores e atitudes que são completamente o oposto dos valores que estruturam a sociedade contemporânea.

Sociedade materialista, consumista, excludente, onde as pessoas são descartáveis, onde vínculos de amor e confiança são difíceis de serem estabelecidos e mantidos, onde a injustiça rege as relações econômicas e sociais, onde a violência impera entre os indivíduos e entre as nações – essa sociedade está distante daquele que nos enviou há séculos essas mensagens:

Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra!

Bem- aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus!

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados!

No século XII, nasceu outra pessoa, numa pequena cidade da Itália, que soube vivenciar a radical plenitude dessa mensagem de Jesus. Despojou-se das riquezas, foi viver ao lado dos excluídos, tratar dos leprosos abandonados pela sociedade de então e se tornou um jogral, um poeta mendigo desse mestre galileu: Francisco de Assis.

Em nossos encontros on-line da Universidade Livre Pampédia, sobre Tradições, Livros e Espiritualidade, dezembro foi dedicado aos Evangelhos e em nossa prática de diálogo inter-religioso, captamos a belíssima aula de Frei Vitório Mazzuco sobre Francisco e o Evangelho, aqui disponível para vocês, como presente de Natal.

Que possamos neste Natal, lembrar de Jesus, com mais intensidade, com mais amor, com mais sintonia com sua presença e com sua mensagem.

Não há outro caminho: enquanto não pusermos coletivamente em prática, seus ensinos de amor, perdão, solidariedade, desprendimento e paz, o mundo continuará nas sombras. Mas há luzes brilhando na estrada sombria: as luzes dos que sabem viver a sua mensagem nesse mundo e a luz dele próprio, o Mestre, nos olhando com o amor de sempre!

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7 respostas para O Mestre carpinteiro e sua mensagem para nós

  1. Eunice Antunes Munhoz disse:

    Maravilhosa mensagem! Infelizmente para nós mesmos, ainda estamos no b-a-ba do Evangelho! Precisamos nos apressar. Deixar o comodismo de lado e marchar a passos céleres. A pressa é toda nossa. Abraços.

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  2. A mais longa imagem que tenho do Mestre e uma descrição que meu pai fez.

    O comentário do meu velho surgiu diante de uma cena, de um filme sobre Jesus, em que um soldado romano tenta agredir um velho escravo e Jesus o olha diretamente nos olhos. O soldado baixa os olhos e se retira envergonhado.

    Sobre essa cena, meu pai me disse que o olhar de Jesus penetra diretamente a nossa alma, nos enxergando por dentro.
    Ficou por minha conta, na época, um garotinho, imaginar o que significaria esse olhar de Jesus.

    A cena, acompanhada desse comentário do meu pai nunca saiu da minha mente e, principalmente, do meu coração.

    Sempre imaginei que diante do Mestre, com esse olhar que nos invade as profundezas do oceano da alma, nos sentiríamos balsamizados pelo seu amor, sua lucidez e compreensão.

    Nesse período em que se aproxima as comemorações de seu nascimento, sentimos algo diferente no ar. Noto isso pelas conversas com as pessoas. Participei de conversas lindíssimas em que a tônica principal de alguma forma permeavam os sentimentos. Como se as pessoas aproveitassem qualquer oportunidade para abrir seus corações.

    O que me faz pensar se não seria nesses momentos do cotidiano que de alguma forma a presença da força de sua mensagem.

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  3. euler neiva fuques disse:

    Texto “oportuno” para essa epoca do ano, tao especial! Obrigado, professora Dora. Nao podemos nos olvidar do chamado do Mestre no trabalho diario para luz. Abraco.

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  4. Que texto bom de ler, instrutivo e útil. Adorei os links para os vídeos que vou assistir com muita gratidão. Que Jesus esteja, neste Natal em nossos relacionamentos. Para reflexão, deixo também um texto que gostei muito do Leonardo Boff: “O materialismo do Papai Noel e a espiritualidade do Menino Jesus” – https://leonardoboff.wordpress.com/2013/12/21/o-materialismo-do-papai-noel-e-a-espiritualidade-do-menino-jesus/

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  5. Marcus disse:

    Muito bom…triste ver a deturpação da mensagem e da própria figura de Jesus, inclusive na comemoração de seu nascimento.

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