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Apagamento e resgate, assuntos que estão em voga frente ao movimento decolonial que movimenta as universidades e a sociedade desde o início do século XXI. Entende-se o pensamento colonial como aquele em que a estrutura de poder ataca as estruturas do local em que o poder colonial se estabelece. Destacam-se além do poder, na colonialidade, as imposições do saber e do ser.
O processo de poder estabelece-se na subjugação de povos tidos como inferiores; a do saber, com a introdução de um pensamento hegemônico e ceifador de divergências, e a do ser, com a desqualificação de determinados grupos com exacerbação de qualidades dos colonizadores e consequente marginalização dos excluídos.
A combinação dessas vertentes coloniais estrutura a sociedade de forma a apagar e silenciar ideias, culturas, artes e organizações fora do pensamento hegemônico. No Brasil, atualmente, discute-se o racismo estrutural como uma das consequências desse processo.
Com esse conceito em mente, a última reunião do Grupo da Paulista do mês de maio, leu-se algumas páginas do livro Pedagogia das Encruzilhadas (Luiz Rufino, Mórula Editorial/2019), que discutia a necessidade de trazer o pensamento do Candomblé, Umbanda e de outras matrizes africanas a partir do conceito da encruzilhada, local mágico de Exú, para o dia a dia, a partir dos saberes e existência desses povos que resistem.
O desenrolar da reunião trouxe a participação dos espíritos de forma contundente e que deixou registros para discussões importantes para nós do Grupo e, imaginamos, para o espiritismo no Brasil, considerando-o como um movimento social e ético em atuação no país.
A primeira parte da reunião se desenvolveu com a percepção de um dos médiuns de uma travessia pelo Atlântico, um grupo de pessoas já escravizadas olhavam para a proa do barco, que os conduzia em meio à noite para um destino incerto. O grupo estava preso na angústia e no medo dessa travessia, e conseguia apenas entoar uma melodia que os unia. Tentamos chamar esses espíritos para o acolhimento, contudo sem sucesso. Em determinado momento, por psicofonia, um espírito do Grupo dos Jovens chama esses espíritos para se juntarem a eles:
Salve irmão! Só completando aí o que o pessoal tá falando, você tem nosso respeito, nosso acolhimento e nossa indignação (O espírito foi enfático nesse momento, batendo na mesa)! Solta essa voz! É inaceitável tudo isso! Solta essa voz! A gente tá aqui com você, parceiro. A gente veio buscar vocês pra ficarem com a gente. A gente sabe o que é tá na marginalidade, tá se afogando, tá perdido, e ninguém nem tá olhando pra nós. A gente também respeita vocês que querem acolher (menção ao nosso Grupo encarnado), mas a gente quer indignação, tá ligado? Não aceitar que foi fácil, que foi normal e que passou. Não passou! Mas vai passar quando a gente tiver junto, irmão. A gente veio buscar você porque a gente tá com esse grupo aqui e a nossa resistência é agora na palavra, na arte. Sai desse barco, cara. Vem com a gente!
Pois é, para quem interessa dizer que foi fácil a colonização e que o país é um paraíso multicultural onde todos são bem-vindos? Tanto ontem quanto hoje há uma separação e um sistema de poder que coloca hierarquias sociais que se cristalizaram e mantém certos grupos, com destaque para negros, na margem da sociedade brasileira. Na verdade, então, existe luta pela emancipação e há estruturas a serem demolidas e, de certa forma, nada disso acontece só com bons pensamentos. É preciso muita indignação e engajamento.
Na sequência, por inspiração, foi evocado Luiz Gama*, abolicionista que atuou fortemente junto aos movimentos sociais em prol da comunidade negra brasileira:
Meus amigos, parece tudo tão novo pra vocês, não é? Tantos anos já se passaram desde a minha presença nesse país, nesse lugar, nessa terra. Permito-me dizer que é normal vocês estarem assustados. Como dizem hoje grandes negros que têm voz – o racismo é problema dos brancos. Então já era hora de vocês se incomodarem, se angustiarem, se darem conta da ignorância sobre temas que deveriam ter sido colocados há muito tempo. Não pensem de forma alguma que isso é um julgamento. É uma constatação. Mas saibam que minha luta continua, e que me parece um grande feito vocês poderem dar voz agora, pra esse “grupo do além”, se posso assim chamar, porque, como já foi dito, é tempo de todos terem voz. Vozes de diversas cores que tragam novos saberes e que validem antigos saberes que foram apagados.
Sim, o racismo é caso dos brancos, ligado à estrutura de poder, não é questão de cor de pele, é questão, no fim das contas, de dominação e privilégios. Se quisermos resolver esse assunto é preciso ir fundo na reestruturação da sociedade, de modo que o poder estabelecido seja submetido a novas medidas de relacionamento social, econômico e ético.
Nesse âmbito, o espírita, como deve ser, reencarnacionista e evolucionista, tem papel forte para estabelecer esses novos padrões, pois não deveria compactuar com as perversões que colocam pessoas fora do parâmetro de bem-estar mínimo de dignidade e condições para ser, sem os quais não se pode exercer em plenitude toda a essência do ser que tem a centelha divina. Mais uma vez, estabelece-se que o campo de trabalho do espírita é coletivo e centrado na Terra.
O Grupo do Além chamado por Luiz Gama ou, como nós chamamos, Grupo dos Jovens, deixa a cada reunião mensagens importantes sobre como viveram, como se sentiram encarnados e todos os dilemas de terem estado na condição de marginalizados, apagados como seres humanos. Porém, também deixam a energia de quem quer um mundo melhor e de quem trabalha para fazer isso.
Nessa reunião, temos mensagens inspiradas no tema da noite, a escravidão e suas sequelas, a dificuldade de viver à margem, até uma mensagem de um suicida que se vê, espantado, imortal do lado de lá. Todas as mensagens, perpassando nossas mazelas, mas com a esperança de que nós mesmo vamos dar jeito nisso tudo, que não está certo.
*Nota – obviamente não podemos ter certeza que a comunicação foi dada pelo espírito de Luiz Gama, mas o conteúdo da mensagem traz um ponto importante para o nosso debate. Luiz Gonzaga Pinto da Gama, mais conhecido como Luiz Gama, foi um líder abolicionista responsável pela libertação de mais de 500 pessoas escravizadas. Nascido em 1830, em Salvador (BA), era filho de uma escravizada liberta reconhecida por participar de diversas insurreições, Luísa Mahin.
As mensagens da semana seguem abaixo.
Texto 1:
Sucumbir a uma infinita dor,
infinita saudade.
infinita sede de ser e possuir,
mas…
infinita voz, também
por isso falo, insisto,
agora no além
nessa força tão simples,
a, em verdade, indomada,
a megera domada
força do bem.
(Médium L.A. – 22/05/2023)
Texto 2:
Mulher na estrada
Sozinha – que nada!
Dobra uma esquina
Faz uma rima
A sina? Não aceito,
Obrigada!
Dispenso essa escada quebrada
Essa água parada
Dos privilégios
De quem não constrói nada.
Castelos de vento, e nóis aqui,
Sem sustento
Sem mãe, sem nada.
Meu verso é o inverso
Do inferno que vivi na Terra,
Magoada.
Mãe solteira, sozinha inteira,
Metade de um conto de maldade.
Sem saudade
Dessa cidade
Só volto
Se for inteira
No remanso, na beira,
De um descanso, de uma paixão
De uma vida com eira e beira.
Me olha e me aceita.
(Ass. Carol – Médium L.A. – 22/05/2023)
Texto 3:
Sucumbir, me entregar
Entregar-se à volúpia
Da dor.
Como não assombrar-se
Surpreender-se,
Olhando essas mãos
Esse ser imortal?
(Médium L.A. – 22/05/2023)
Texto 4:
Nossa história foi apagada
Nossa voz foi calada.
Ainda hoje lutamos
Para sermos ouvidos.
Que a indignação
Que nos aquilombou
Seja a força da mudança
Dessa vez
De uma vez
Por todas
(Médium C. M. M. – 22/05/2023)
Texto 5:
Crianças, mães
Pais
Separados
Isolados
No silêncio da incerteza
Levados pela correnteza
Crianças, mães,
Pais
Deserdados
Desterrados
Soterrados
Por uma realidade absurda.
Lutar pela memória
Do ontem
É garantir que isso
Nunca mais se repita.
(Médium C. M. M. – 22/05/2023)
Texto 6:
Chorei
Pedi
Implorei
Morri aos poucos
Sucumbi a vida, a morte
A força da vida é maior do que a morte
Morte simbólica
De uma vida
Varrida
Extirpada
A vida em outra terra
Com outras dores
Com outros amores
Ressurge cintilante
Uma criança nascida em outra terra
Traz consigo
A história apagada
Gravada em seu sangue e carne.
(Médium C. M. M. – 22/05/2023)
Texto 7:
São tantas músicas
Tantos cantos
Tantos sons desconhecidos
Por vocês
Sons que foram afogados
Na travessia
E que como um código
Identificavam povos
Entre pessoas desconhecidas
Além da dor
Do banzo
Foi a música
Que tornou a existência
Possível
Em tempos de trevas
Que foram
Que ainda são.
(Médium C. M. M. – 22/05/2023)
Texto 8:
Costurar o passado
Com o presente
Tear novas tramas
Recriar novos caminhos*
Refletir
Repensar
Recriar
Histórias, povos e culturas
Esse é o desafio
Dos novos tempos.
(Médium C. M. M. – 22/05/2023)
Texto 9:
Me tira daqui
Me solta
Onde estou?
Quem são vocês?
Estou com medo
Posso voltar?
Socorro
Quem são vocês?
Por favor,
Me tirem daqui
Por favor
Quero voltar
Quero voltar
Quero
Voltar
Quero
Voltar
Quero
22.05.2024
(Médium C. M. M. – 22/05/2023)
Referências:
(https://www.politize.com.br/colonialidade-e-decolonialidade/ )
Muito a aprender, muito a desconstruir, muito a reconstruir. Beleza de trabalho!
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