Trapalhadas “espíritas” – Episódio 3 – Pernas e canetas

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Selma pediu a Mário para acompanhá-la a um conhecido centro de atendimento espiritual. Um lugar famoso pelas cirurgias e tratamentos que realiza e que se denomina espírita.

Lá chegando, Mário ficou espantado com a quantidade de pessoas em busca de um lenitivo para os mais variados males físicos e emocionais. Como é grande o número de necessitados e como é bom saber que há pessoas dispostas a ajudar! Ao mesmo tempo, curioso observar o fato de quase ninguém aceitar a dor física ou moral como males necessários à nossa evolução. Ninguém quer sofrer. Todos querem ter a saúde perfeita por toda a eternidade. Desejam que a vida seja só alegria e sorriso. Morrer, então, fora de cogitação! Todo mundo anseia em ficar aqui para sempre. Por isso, muitos só se lembram do lado de lá na hora do sufoco. Se o problema aperta, todo mundo corre para o centro espírita, a Igreja Católica, o templo protestante etc. Findo o problema, voltamos à vidinha de sempre e nem nos lembramos mais do local que nos auxiliou.

Então quer dizer que não é válido buscar socorro espiritual quando estamos doentes? Claro que é! Além de válido, é necessário. Vai nos ajudar a enfrentar o momento com serenidade e equilíbrio. Fora isso, a ajuda espiritual irá potencializar o tratamento médico habitual, fazendo com que os remédios, exercícios e similares tenham resultados mais rápidos e efetivos. No entanto, convém ressaltar que se são males surgidos devido a débitos adquiridos em vidas passadas, precisamos encará-los como recurso educativo. E se apareceram por causa de destemperos atuais, aproveitemos a lição para não cairmos no mesmo erro. E retribuamos a ajuda, procurando saber mais sobre o lugar que nos ajudou e engajando-nos também no socorro aos desvalidos. É sempre bom engrossarmos as fileiras do bem. Faz um bem!

Selma e Mário, assim como os demais, foram encaminhados à triagem. Como o problema de Selma era um pouco delicado, ela foi direcionada para a área de cirurgia espiritual. Já Mário, que estava apenas de acompanhante, foi para o passe.

Não foi um passe simples e rápido, como o é geralmente nos centros espíritas. Encaminharam-no a uma sala de espera. Havia muita gente, e a vez dele decerto tardaria. Mário sentou-se e cruzou as pernas, como de hábito Uma voluntária veio e, sem aviso prévio, pôs as mãos em suas pernas, querendo descruzá-las. Se ela pedisse, ele as teria descruzado. Mário perguntou por que não podia ficar de pernas cruzadas. Motivo: atrapalhava o fluxo das energias.

Chegou a vez dele; entrou na sala do passe, sentou-se e cruzou as mãos, em prece. O aplicador descruzou-as e pôs uma sobre cada joelho. Era o tal fluxo de energias, que não deveria ser prejudicado. Como se a energia de amor que emana de Deus dependesse de pernas e mãos não cruzadas para beneficiarem as pessoas.

Saindo dali, Mário e os demais receberam um texto impresso e foram encaminhados a outra sala de espera. Em seguida, foram conduzidos a um recinto no qual havia várias pessoas sentadas à mesa. Pediram para os visitantes ficarem de pé e em volta da mesa, de mãos dadas. Mário pôs a folha de papel em cima da mesa. Advertiram-no que não era permitido. Quando pegou o papel de volta, sem querer esbarrou com a mão em um dos homens que estava sentado. Deu dois tapinhas cordiais no ombro dele, como forma de se desculpar. Tomou outro cartão amarelo. Não era permitido tocar nos médiuns. Foi então que Mário viu um móvel e lá colocou o papel. Deram as mãos. Alguém leu um breve texto e foi feita uma prece. Mário pegou o papel e saiu com os demais.

Já no jardim da instituição, ele sentou-se num banco, cruzou finalmente as pernas e ficou esperando por Selma. Quando ela saiu, fizeram um lanche antes de se prepararem para voltar para casa.

Um pouco antes de saírem, viu um balcão no qual havia lápis e papel. Era um local para os visitantes deixarem nomes de encarnados e desencarnados para serem beneficiados com preces. Sacou da caneta, escreveu alguns nomes e entregou-os a um rapaz, que disse não ser permitido escrever com caneta. Somente a lápis. Mário perguntou por quê. O rapaz não sabia. Foi perguntar a outro homem e voltou com a seguinte alegação: – Porque, se você escrever com caneta, os obsessores irão ler.

Foi uma das coisas mais despropositadas que Mário já ouvira. Ele quase perguntou em que livro haviam lido aquela informação. Então obsessores têm problemas sérios de visão e só conseguem ler o que é escrito com caneta. Por isso, lápis neles! E desde quando espíritos fora da matéria precisam ler um pedaço de papel para se inteirarem do que se passa aqui? E o pior dos rastros que a resposta do rapaz deixou: o local – um oásis de elevação espiritual onde muitos são curados de males diversos – estava coalhado de espíritos malévolos e vingativos. Por isso, para despistá-los, nada de canetas. Isso sem falar no fato de que o rapaz apenas repetira uma instrução que lhe fora dada. Onde o senso crítico? E onde o treinamento pelo qual as pessoas devem passar antes de serem alocadas nas mais variadas tarefas? Mário ficou chateado, mas como estavam de saída, reescreveu tudo a lápis.

Jesus Cristo era tão simples. Curava impondo as mãos e pronto. Para que submeter os necessitados a tantas firulas? Menos é mais.

 

Próximo episódio: Mais aquém do que além

Episódio 1 – Rolam as pedras

Episódio 2 – Chuveiradas e paredes

Essas narrativas fazem parte do livro ainda inédito –  Sem Açúcar e com Kardec – de Marcelo Teixeira

 

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4 respostas para Trapalhadas “espíritas” – Episódio 3 – Pernas e canetas

  1. Rafael Garrido disse:

    Parece até personagem e conto de Ariano Suassuna, “Não sei, só sei que é assim!”

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  2. Pingback: Trapalhadas “espíritas” – Episódio 4 – Mais aquém do que além | Blog da ABPE

  3. Pingback: Trapalhadas “espíritas” – Episódio 5 (epílogo) – Roda e avisa | Blog da ABPE

  4. angela capra disse:

    Adorei o texto!!! Engraçado e interessante.

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